Ninguém gosta de música autoral. Infelizmente

Zambido Bom
3 min readFeb 17, 2020

Sábado eu fui no aniversário de um amigo em um pub, e a atração musical era uma banda que tocava rock nacional e internacional. Não é bem o meu tipo de rolê, mas deu pra se divertir, a banda era boa. Só que meu olhar profissional não parou, de tanto trabalhar indo a shows. Por isso, eu poderia fazer várias problematizações acerca desse rolê, como o fato do ambiente roqueiro ser bastante masculinizado, da única mulher da banda, a vocalista, provavelmente ser mais bem aceita por causa do tom de voz mais grave, do repertório internacional ser ridiculamente privilegiado com relação ao nacional, de ninguém aplaudir no final das músicas, enfim. Mas gostaria de falar hoje sobre outra coisa que observei: a total esnobação das músicas autorais por parte do público ali presente.

ÓBVIO que esse é um assunto que é muito discutido, talvez já saturado. Mas quem me conhece sabe que eu não consigo não falar disso enquanto compositora e enquanto entusiasta da arte da composição musical.

Após escassos aplausos ao cantar Marina Lima e Ultraje a rigor, a moça — que era talentosa, só pra reiterar— , pediu permissão ao público (nem deveria ter feito isso…) para cantar duas músicas dela. Enquanto cantava, metade das pessoas que estavam na plateia voltaram para suas mesas para conversar ou foram no balcão comprar bebida. Eu fiz questão de ficar lá pra ver porque já sabia como iria ser o público nessa hora: gatos pingados que descaradamente fingiam que não ouviam, que nada estava acontecendo. No final, ninguém ou quase ninguém aplaudiu.

Independentemente da qualidade das canções, acho uma real falta de respeito não aplaudir ao final de cada música (ao menos que tenha havido alguma manifestação fascista/nazista/bolsonarista, sei lá). E aliado à falta de interesse em conhecer músicas novas por parte do público, uma coisa extremamente sacana.

Eu sei que, num evento como esse, muita gente vai ao lugar não por causa do show, mas pra curtir a saída de uma forma geral. Mas então pra que ir pra frente do palco e apreciar um show de uma maneira estranhamente seletiva?

Sei também que esse circuito de bandas cover é o que dá uns trocados pra muita gente (pra algumas bandas, é o próprio ganha-pão). Eu não estou desmerecendo o trabalho dos intérpretes — tanto é que um dos meus artistas favoritos eu conheci em um programa de televisão de versões. O que eu quero dizer com esse texto é que parece que ninguém se interessa em conhecer músicas autorais. Só quando são validadas pela grande mídia. Se a galera que toca músicas de outros artistas já sofrem pra sobreviver, imagina as que tão se expondo ainda mais, colocando suas ideias em cima do palco, e sofrem o dobro de rejeição!

Não tem problema você querer ouvir o seu rock clássico quando vai sair pra se divertir. Só tenha em mente que toda música que você ouve foi composta por alguém um dia, é de autoria de alguém. Seria bom ter um pouco de sensibilidade com quem tá nessa mesma batalha, só que no começo dela. Não falo em ser obrigado a gostar, a fingir gostar pra agradar, etc, mas em ter o mínimo de respeito, porque todos os artistas que você gosta já estiveram nesse palco que você ignorou.

No meio musical, essa discussão já é lugar-comum, talvez me achem patética por eu estar investindo um tempo num texto com esse tema. Mas a frequência com que esse tipo de coisa acontece ainda me deixa chocada e sinto necessidade de falar, me desculpem a repetição.

A verdade é que, pelo que eu já experienciei, a cena autoral precisa muito mais do apoio do público do que a gente pensa, ainda mais nessa era onde todo tipo de informação está ao alcance de muito mais gente e de maneira mais democrática. É muita competição por espaço e, por isso, mais disputa pela sobrevivência das bandas. Ouça as músicas, compartilhe links, compre produtos dessas bandas. Hoje em dia é muito mais difícil uma gravadora descobrir e transformar artistas em megasucessos (a não ser nos ritmos mais em voga hoje em dia, como sertanejo, funk e afins, mas aí já é outra história).

Procure sua tribo e apoie a cena autoral de sua preferência. Ou só respeite ela.

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